terça-feira, novembro 02, 2010

Gente Pobre - Dostoiévski

“Gente pobre é caprichosa – e é assim por disposição da natureza. Mesmo antes eu o sentia, e agora comecei a sentir ainda mais. Ele, o homem pobre, é exigente; até para esse mundo de Deus ele tem outra maneira de olhar, olha de soslaio para cada transeunte, lança a seu redor um olhar confuso e fica atento a cada palavra que ouve – não é dele que estão falando ali, diz? O que estão comentando, como pode ser tão feioso? O que é que ele, precisamente, sente? E, por exemplo, como será ele desse ponto de vista, como será daquele ponto de vista? E todo mundo sabe, Várienka, que uma pessoa pobre é pior que um trapo e não é digna de nenhum respeito da parte de ninguém, seja lá o que for que escrevam! Eles mesmos, esses escrevinhadores, podem escrever o que for o que for! – para o pobre, vai ficar tudo como sempre foi. E por que vai ficar na mesma? Porque num homem pobre, na opinião deles, tudo deve estar virado do avesso; porque ele não deve ter nada de secreto, nenhuma vaidade que seja, de jeito nenhum! Emiliá estava me dizendo outro dia que a cada dez copeques arrecadados lhe faziam uma espécie de inspeção oficial. Eles achavam que estavam lhe dando suas moedas de dez copeques de graça – mas, não: eles estavam pagando para que lhes fosse exibido um homem pobre. Hoje em dia, minha filha, até mesmo a caridade é feita de um modo esquisito... , mas talvez tenha sido sempre assim, quem é que sabe! Das duas uma – ou não sabem como faze-lo, ou então são verdadeiros mestres nessa arte. Talvez não soubesse disso, mas é como lhe digo! Em outros assuntos não nos metemos, mas nestes somos notórios! E por que é que um homem pobre conhece isso tudo e ainda pensa nessas coisas todas? Ora, por que? Por experiência! Porque ele sabe, por exemplo, que o senhor ao seu lado está indo para um restaurante em algum lugar e pensando com os seus botões: e esse funcionário miserável, vai comer o que hoje? Porque eu vou comer papillotes sauté, enquanto ele provavelmente vai comer mingau sem manteiga. E o que ele tem com isso, se eu vou comer mingau sem manteiga? Há homens assim, Varienka, e como há, que só pensam nessas coisas. E eles vão andando, os pasquineiros indecentes, e olhando, po exemplo se você pisa na calcada de pedra com o pé inteiro ou com uma pontinha; olha lá, dizem eles, o funcionário tal, conselheiro titular do departamento tal, com os dedos nus saindo para fora da bota, e olha como os cotovelos estão puídos – e depois ainda escrevem isso tudo lá do jeito deles e publicam esse lixo... E é da sua conta se o meu cotovelo está puído? E se me perdoa a palavra grosseira, Varienka, então eu lhe direi que um homem pobre, nesse sentido,  sente o mesmo pudor que você, para dar um exemplo, um pudor virginal. Pois você não se poria – perdoa-me a palavra grosseira – a despir-se diante de todo mundo; é precisamente disso que o homem pobre não gosta, que fiquem bisbilhotando em seu cubículo, que digam como é sua vida familiar – aí é que está. E que motivo tinha então para me ofender, Varienka, juntando-se aos meus detratores para atentar contra a honra e vaidade de um homem honesto!”

Carta de Makar Diévuchkin à Varvara Alieksiêvna. “Gente Pobre” de Dostoiévski, publicado em 1846. Pág 104-105

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