terça-feira, agosto 06, 2013

O novo governo do PT em Niterói: Quais são os desafios dos socialistas frente a um governo de conciliação de classes?

 Rodrigo Neves, dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT) de Niterói, foi eleito prefeito da cidade para os próximos 4 anos, tendo 34,55% dos votos dos eleitores (132.001). Felipe Peixoto (PDT) teve 31,20% dos votos (119.205). Abstenções, brancos e nulos somaram 34,24% (130.815).  Estes números demonstram uma rejeição à participação política em geral, ou aos candidatos que disputavam o pleito? Provavelmente, as duas coisas.

Jorge Roberto Silveira (PDT) foi eleito com 168.465 votos em 2008. Em pesquisa do IBPS, em fevereiro de 2012, seu governo aparecia com 72% de rejeição. Somando os votos do PT, e aqueles que de alguma maneira rejeitaram o processo eleitoral (31,20% + 34,24) chegamos a 65,44% da população, número próximo ao da rejeição de Jorge, o que nos indica que grandiosa parte do eleitorado que ainda tinha alguma esperança no ciclo Jorge Roberto/PDT votou em Felipe. Nem todos aqueles que votaram em Felipe Peixoto (PDT) aprovavam o Governo Jorge Roberto e seu ciclo histórico, mas aparentemente a ampla maioria dos seus votos veio desse segmento da sociedade.

 Antiga capital do estado, antes da fusão do Rio de Janeiro com a Guanabara, Niterói tem a quarta maior economia fluminense, com Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 10,8 bilhões.

Como diz a nota do PSOL-Niterói “Felipe Peixoto e Rodrigo Neves começaram suas trajetórias ligados a Jorge Roberto Silveira, foram inclusive seus secretários. Votaram a favor de questões que a nosso ver contrariavam os interesses públicos da cidade, como os atuais parâmetros urbanísticos da Orla da Baía, que permitiram a multiplicação dos espigões na cidade, aprovados em 2002, a portas fechadas na Câmara de Vereadores. Felipe votou a favor do inchaço da máquina pública, inclusive do conselho consultivo. Rodrigo votou a favor da cobrança de pedágio no Túnel Charitas – Cafubá. PT e PDT têm em Niterói ou no Brasil estimulado e implementado a privatização e o sucateamento dos serviços públicos com terceirizações e organizações sociais. Recentemente, Felipe e Rodrigo foram secretários de Sérgio Cabral e nunca disseram nada contra a precarização do serviço público, o desrespeito aos profissionais, dentre eles os professores e bombeiros. Também calaram ante os desrespeitos à população de Niterói, como no caso do aumento abusivo da tarifa das Barcas ou do sucateamento da segurança pública da cidade, com o abandono dos GPAES justo no momento de implantação das UPPs na cidade do Rio. Ambos apresentam-se como novidades cercados da velha política da cidade que, ao apagar das luzes, buscaram aprovar na Câmara de Vereadores um aumento de mais de 60% em seus próprios salários, do prefeito e dos secretários. Isso no momento em que se fala em cortar cargos comissionados.”

Dessa maneira, Felipe Peixoto e Rodrigo Neves, apesar de aparentemente expressarem vínculos diretos diferentes do ponto de vista das frações das classes dominantes, de forma mediada aplicam um projeto que unifica localmente a exploração por parte daqueles. A eleição no segundo turno foi apenas para definir quais seriam os condutores de um mesmo projeto político. Só existiria uma polarização de projetos caso o PSOL, na figura de Flavio Serafini, tivesse chegado ao segundo turno.

O PSOL de Niterói, fundado em agosto de 2005, tem uma trajetória vinculada às pautas dos explorados da cidade. Em sete anos de construção política pela base, dialogando com aqueles que organizam a luta dos trabalhadores e oprimidos, é uma expressão viva de que um programa e suas ideias, quando se tornam movimento, transformam-se em força material real. Do ponto de vista eleitoral, desde o apoio a candidatura do atual vereador Renatinho ainda pelo PT, trazendo-o para a construção do novo partido. Destaca-se, ainda, a eleição do então desconhecido niteroiense Marcelo Freixo como Deputado Estadual em 2006, com apenas 13 mil votos (eleição na qual Paulo Eduardo Gomes, também de Niterói, tornou-se o primeiro suplente). Em 2008, o PSOL elegeu com o segundo vereador mais votado da cidade (Renatinho), fez uma campanha contra uma máquina eleitoral fortíssima (Jorge Roberto se elegeu no primeiro turno), e Paulo Eduardo se estabelece com 8% dos votos, ficando a frente do PSDB de Gegê Galindo. A aliança desta eleição era PSOL-PCB-PSTU.

Se o aumento das desigualdades sociais na cidade foi a tônica da década de 2000-2010, o fato é que Niterói tem um histórico de governos que se propõe na aparência a realizar projetos para a maioria da população, e na prática constroem a hegemonia das classes dominantes. Talvez a cidade tenha “adiantado” o processo de hegemonia do social-liberalismo sem ter passado por um governo neoliberal clássico. O PDT de Jorge Roberto tem no seu histórico a construção dessa “revolução-restauração” no  pós-ditadura militar: ampliação de serviços públicos (com destaque para o pioneirismo do médico de família), urbanização de favelas e construção de equipamentos públicos, dentre outros, com a autonomia financeira possibilitada pela Constituição de 1988 para os municípios. Entretanto, do ponto de vista das classes dominantes, existiu uma grande estabilidade que possibilitou a reorganização espacial da cidade em seu espelho, com bolsões de pobreza e grandes prédios dividindo territórios. Niterói tem um histórico de resistência, desde a fundação do PCB em 1922, a revolta da Cantareira sobre as Barcas em 1959 (ano da revolução cubana), dentre outros marcos fundamentais, sendo um espaço de resistência e disputa durante a ditadura civil-militar de 1964.

Os condutores deste projeto social-liberal de conciliação de classes pelos dominantes, tendo a frente a figura “cesarista” de Jorge Roberto Silveira, estiveram no governo desde 1989 até 2002 (aqui já com o apoio da maioria PT, e sua participação na prefeitura). O “interregno” do Godofredo Pinto manteve grande parte da direção das classes dominantes no interior da sociedade política, o que se demonstra pelos amplos acordos construídos no secretariado e na Câmara Municipal. Apesar de algumas divergências, o projeto PDT-PT era o mesmo, o social-liberalismo.

Avaliamos como marco de uma nova conjuntura a reação social a tragédia de abril de 2010. Uma tragédia de grandes proporções como aquela pode inclusive catapultar um projeto conservador de remoções se servir como base a um consenso conservador. Mas, em conjunto com a luta histórica da cidade, seus movimentos sociais, parte ativa daqueles que constroem o PSOL articularam uma ampla rede de solidariedade e mobilização social. Um grande desgaste e quebra de consenso em torno não apenas de Jorge Roberto Silveira, mas do projeto social-liberal em curso, estava colocado. Naquele momento Flavio Serafini já se destacava como referência dos trabalhadores moradores de favelas na construção do comitê de desabrigados.

Não foi a tragédia de 2010, ou uma desgaste “esperado” depois de décadas no Governo que enfraqueceram Jorge Roberto: foram estes fatores, em conjunto com outros, conjugados com uma organização genuinamente autônoma dos explorados, que fez avançar sua mobilização e consciência de classe. É a luta de classes que determina a construção ou não de consensos, possibilitando a hegemonia deste ou daquele projeto.

A eleição de 2012 pode ser considerada um novo marco na reverberação de outro projeto para a cidade, baseado num programa em defesa da necessária refundação democrática da cidade. O estrondoso fortalecimento do PSOL, com Flavio Serafini tendo 18,5% dos votos, e com a eleição de 3 vereadores (os 2 primeiros deles os mais votados, e elegendo um novato com muito expressiva votação, Henrique Vieira) é um momento que congrega aquilo que se construiu no passado, e possibilita avanços do ponto de vista dos subalternizados.

Ao enfrentar o governo Rodrigo Neves, o PSOL poderá construir um novo consenso de que é possível superar o projeto social-liberal através da mobilização dos explorados. Com a presidência de 3 comissões, que podem realizar audiências públicas, inclusive em conjunto, como também através do diálogo permanente com a sociedade civil-popular, este é um novo desafio. Os socialistas terão 3 vereadores de um total de 21.

Portanto, nosso desafio não será apenas resistir aos ataques das classes dominantes que certamente virão, em muitos momentos pautados, do ponto de vista organizado, pela sociedade política dirigida por Rodrigo Neves-PT. A escolha do secretariado, especialmente no que tange a política de Segurança Pública é sintoma de um governo que pode tender a um social-conservadorismo em momentos de crise.

Está colocada para os socialistas de diferentes matizes de Niterói a responsabilidade de construir amplamente, calcado na mobilização e formulação, de uma frente com todos aqueles que se propõe a construir o novo e que tenha como objetivo a refundação democrática da cidade pelos oprimidos e explorados. A disputa no interior da sociedade civil de um novo consenso, que possibilite a construção de uma contra-hegemonia permanente está aberta. Dar dois passos a frente não é só possível, como necessário.

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