As
manifestações de junho arranharam a hegemonia burguesa no Brasil. Não cindiram
essa hegemonia, ou mesmo existiu uma crise dela, mas as manifestações
modificaram alguns consensos existentes, colocando um novo “senso comum” na
arena da luta de classes. Dentre eles, podemos destacar: 1) O brasileiro também
luta, não é um povo apático e passivo que aceita qualquer coisa de seus
governantes; 2) Mobilização social é algo legítimo, fazer manifestações é algo
justo; 3) É possível vencer, pois abaixamos a tarifa e demonstramos que a luta
pode mudar os rumos da história.
Outros “senso-comuns”, ou críticas ao senso
comum se colocaram, mas não se tornaram, ainda, parte de um consenso
estabelecido que deva ser abarcado pelos dominantes: 1)A imprensa não é neutra,
ela tem lado e em geral se posiciona contra os interesses da população; 2)A
polícia militar deve ser superada, por ser uma instituição que atua de forma
repressiva contra os interesses da maioria. Os consensos ainda seriam 1) A
imprensa é neutra e defende de forma isenta o melhor para todos; 2) A política
militar, apesar dos problemas, é necessária.
Os primeiros
três pontos elencados são novos consensos estabelecidos. Os dois seguintes são
críticas ao consenso estabelecido, mas que ainda não se tornaram um novo senso
comum. Sobre esses pontos, o senso comum atual ainda abarca e mantém o consenso
anterior às manifestações.
A criação de
novos consensos, especialmente os que fortalecem a auto-organização “dos de
baixo” é um dos marcos fundamentais da disputa de hegemonia, como também do
papel de direção dos dominantes. Para as classes dominantes, não basta exercer
o controle e a coerção, é necessário dirigir intelectual e politicamente os
dominados, o que só é possível a partir de certos consensos estabelecidos a seu
favor. Para manter o domínio, é necessário direcionar os novos consensos a seu
favor, mesmo que são contrários aos seus interesses, colocando-os de forma
subordinada ao seu programa estratégico, de classe.
O que está
ocorrendo neste momento é uma tentativa, por parte de partidos e aparelhos
privados de hegemonia das classes dominantes, especialmente a mídia
corporativa, de modificar os novo consensos estabelecidos após junho, e
“limpar” o possível dano aos consensos que foram atingidos. Ou seja, reestabelecer
os marcos da hegemonia burguesa anterior às manifestações. Entretanto, a luta
de classe não é linear: só é possível construir novos consensos avançando,
criando uma nova correlação de forças, e caso os novos consensos estabelecidos
fossem derrotados, a direção intelectual e moral dos dominantes seria reestabelecida
num novo patamar, que ampliaria sua capacidade de coerção.
A movimentação
dos dominantes ocorreu devido a certa “quebra” ou “descuido” de parte dos
dominados (que pode ocorrer a partir de um ato fortuito), que desorganizou as
“tropas” de seus inimigos. Com a tropa inimiga (dominados) desorganizada,
apareceu uma nova chance para que se utilizasse de forma eficaz toda a
“artilharia”, a qual abriria espaço para se tomar sua trincheira. A artilharia
não tem pode atuar eternamente, assim sua utilização, para ser mais eficaz,
deve ser pautada por momentos oportunos, mesmo que seja necessário a criação
dessa oportunidade através dos movimentos mais gerais. Destruindo e tomando as
novas trincheiras inimigas, seria possível “cercar” suas casamatas e
fortalezas. Neste caso, as trincheiras inimigas são os novos consensos
estabelecidos e às críticas que avançaram; as casamatas são as mobilizações
(auto-organização da classe) e o PSOL. Ao utilizar a artilharia, as casamatas
são atingidas, mesmo que não destruídas. Uma artilharia extremamente forte
poderia destruir uma casamata, mas isto não é provável, já que se assim fosse,
a casamata sequer existiria, na medida em que a artilharia poderia ter sido usada
anteriormente para destruí-la antes mesmo da sua construção.
É difícil
atuar sob fogo inimigo, especialmente quando a tropa está desunida por algum
motivo. Encontramo-nos neste momento. Entretanto, apenas tentar unir a tropa e
esperar o tiro inimigo não basta, é necessário demonstrar que também temos
nossa artilharia, e que nossas trincheiras estão fortes, e nossas casamatas
foram pouco atingidas.
Logo,
precisamos além defender nossas casamatas (as grandes manifestações e o PSOL, e
dentre desses seus mandatos e militantes que foram atingidos), também atirar no
inimigo, reagir, para que ele não fique tão tranquilo e organizado para atirar
ainda mais. É necessário demonstrar a contradição de diversos discursos que são
as balas da artilharia, como “quem financia quem”, “quem manipula quem”, “a
quem serve a mídia corporativa”, “qual é o papel da polícia nas manifestações”,
dentre outros. Atacar a ideia e quem difunde a ideia (O GLOBO, VEJA, O DIA,
etc). Defender-se é a prioridade, mas não é possível uma defesa numa guerra sem
balas que atinjam o inimigo.
Não é possível
definir ao certo o que sairá deste confronto, pois ainda estamos no meio dele.
Mas já é possível definir que a arena foi modificada, e que devido à nova
movimentação das tropas e das artilharias, os novos consensos necessários terão
um novo paradigma, mais polarizado. A crença na “estabilidade da ordem”,
própria da visão reformista, perderá espaço, tendo em vista que a própria luta
de classes será cada vez mais dinâmica, pois o lado de lá não pode apenar
manter sua tropa e utilizar novas trincheiras e casamatas (como o PT), já que
novas casamatas foram construídas do lado de cá. É um momento de polarização, e
a partir dele, aproximar-se do PSOL, mesmo que através do voto, será cada vez
mais visto como uma tomada de posição, de aproximação de certa casamata, que
foi atacada pelo inimigo e, por isso, está mais a vista para todos.
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