Os movimentos de massa tem uma dinâmica
própria, de difícil compreensão em curto espaço de tempo. Um dos nossos guias
para entendermos esses movimentos são os aprendizados históricos, sejam de
nosso país, sejam de outras experiências em curso.
A traição do PT despolitizou a política. Ao
contrário da ditadura militar, onde os partidos eram forjados “por cima”
(MDBxARENA), e que o movimento contra a ditadura tomava corpo na construção de
novos partidos, hoje estamos numa “democracia burguesa” (uma “democracia de
araque”, “falsa democracia” ou qualquer outro termo também é bem-vindo). Assim,
a luta do PT pelas diretas já ocorreu em conjunto com a sociedade civil, que
abraçou, em grande medida, a causa de “um partido sem patrões”. Hoje estamos
noutra conjuntura.
Esta nova conjuntura de traição de classe do
PT não fez apenas com que a esquerda perdesse espaço: a própria política perdeu
espaço, e com ela, um questionamento amplo no senso-comum sobre a necessidade
ou não de partidos. Existe um senso comum contra os partidos, e é nesta
realidade que estamos imersos:
“A
espontaneidade é característica da história das classes que ocupam um lugar
subalterno na sociedade e, como tal, é condicionada pela ideologia da classe
dominante. Logo, a ação espontânea das massas resulta da mistura desordenada,
desarticulada de elementos ideológicos da classe dominante com concepções
oriundas das próprias da própria vida das massas, a nível de bom senso. É,
portanto, uma ação fundada no senso comum enquanto concepção de mundo
fragmentária, dispersa e incoerente, difundida no interior das classes
subalternas”
Estes elementos
difusos que se relacionam ( como nacionalismo/bandeira do Brasil, rejeição aos
governos, rejeição a repressão, “não a depredação”, “não aos partidos
políticos”) são o caldo ideológico de manifestações espontâneas de massa, e que
refletem o atual nível da consciência das classes subalternas. É neste terreno
que estamos nos movimentando.
Levando
isto em consideração, é importante uma ressalva: grandes mobilizações foram
feitas sem a presença de bandeiras partidárias, o que não necessariamente
demonstra que elas “não nos servem”.
Revoluções foram feitas sem a presença de bandeiras de partidos. Ou seja, temos
que perceber este senso-comum, e atuar nele de forma coordenada, para daí
extrair um “bom senso”:
“O núcleo do bom senso, no interior dessa concepção de mundo dispersa do
senso comum, expressa o mínimo de reflexão própria das massas nos seus
movimentos espontâneos, configurando um esboço de pensamento particular,
próprio que precisa ser articulado, unificado, através do elemento de direção”
Precisamos trabalhar, de forma pedagógica, de que o pertencimento ou não
a partidos é uma escolha pessoal (inclusive é um direito). Mas distribuir
centenas de bandeiras partidárias numa manifestação deste tipo, de forma
coordenada, “agride” este senso comum, que se revolta, e dele “cospe” seus
fatores mais reacionários, através da queima das bandeiras, agressões. Para
este senso-comum, seu direito “individual” de não escolher partidos está sendo
cerceado, pois em seu mundo imaginário, não deveriam existir partidos.
O processo de politização é longo. A maioria dos membros das passeatas atuais
não é anticapitalista, muito menos tem simpatia por este ou aquele partido
socialista. Com o tempo, quando estas
revoltas acabarem, estaremos num outro processo de luta, e aos poucos, com
maior politização. Mas até lá temos que dialogar para construção deste bom
senso.
E muitos anticapitalistas usaram bandeiras da Turquia, uma pátria com um
nacionalismo bem complexo, que até hoje detém símbolos islâmicos como marco. Ou
bandeiras do Egito, Tunísia, Síria...
Obviamente, preferíamos de uma bandeira nacional que estive escrito “Justiça
Social” ao invés de “Ordem e Progresso”. Este é um segundo momento de debate,
de diálogo com este senso comum.
Ou seja, não precisamos deflagrar dezenas de bandeiras dos nossos
partidos nas passeatas. Nossa bandeira é a luta anticapitalista, e não existe
nada mais anticapitalista que mobilizações de massa. Os participantes mais
conscientes aos poucos perceberão que para ocorrer uma transformação profunda
na sociedade é necessário um programa, e uma organização que lute pela sua
efetivação, e poderão (ou não) se aproximar de algum partido. Até lá
dialogaremos, e questionaremos todos e todas que queimem as bandeiras dos
outros, como um ato extremamente antidemocrático. Mas nosso papel, como
socialistas, é entender a conjuntura e atuar nela para que mude. A realidade é
o nosso guia para a ação. E nossas bandeiras, e lemas, estarão em nossos
corações, pulsando vermelhos como sempre.
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